Antes mais nada, deixem-me colocar um conceito que sempre que possível eu coloco em minhas aulas ou palestras: a assembleia é o órgão máximo de um condomínio, e verificamos, no Código Civil, que temos palavras que demonstram isso, tais como que ela pode deliberar, que ninguém pode se opor a ela, deverá ser convocada, escolherá, determinará, investirá, destituirá, convocará, elegerá etc. Porém, não percamos de vista que ela é uma ficção jurídica, pois, por ser despersonalizada, pode decidir, porém não pode efetivar nada, sendo a reunião de condôminos que decidirão o que deve ser feito, e como exemplo, cito o fato de que assembleias não contratam, não demitem, não podem representar o condomínio em nenhum ato, apenas delega poder para que o façam.
Nó Código Civil, apenas no capítulo que trata do condomínio edilício, em suas três primeiras seções, encontradas 24 vezes a palavra ‘assembleia”, isso em 28 artigos apenas, o que dá ideia de sua importância num condomínio.
Uma das frases mais repetidas no segmento condominial é de que a assembleia do condomínio é soberana. Essa afirmação é repetida frequentemente por juízes, advogados, administradores, síndicos e, principalmente, pelos próprios condôminos.
Porém, uma assembleia de condomínio é soberana? Qual a extensão dessa “soberania”?
Primeiramente, o que seria exatamente o adjetivo “soberano”? Soberano é aquele que exerce supremo poder e autoridade, bem como também pode ser entendido por quem detém o domínio sobre algo ou alguém. Pois bem, para avaliar se uma assembleia é soberana, temos que tentar encontrar sua posição dentro de uma hierarquia normativa do nosso ordenamento jurídico, mesmo que de forma resumida e objetiva.
A primeira posição é ocupada obviamente pela maior fonte normativa, que são as normas editadas e criadas pelo Poder Legislativo e outros órgãos competentes. Nesse primeiro ponto, estão inseridos a Constituição Federal, Leis Complementares, Lei Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos etc. em âmbito federal, estadual e municipal. Naturalmente, existe uma hierarquia entre todas essas normas, mas não daremos enfoque. Nenhuma convenção ou assembleia pode afrontar a constituição, legislação ou normas de ordem pública, sob pena de invalidação.
Em decorrência de direitos e garantias preservados constitucionalmente ou através de outras leis, como o Código Civil, nenhuma convenção ou assembleia pode prejudicar direitos de titularidade de um condômino. Uma assembleia não pode retirar o voto de um condômino sem embasamento legal, não pode lhe privar de acesso à unidade, não pode extinguir vaga de garagem de propriedade exclusiva, dentre outros. Muito embora nem sempre seja cristalino o limite entre a decisão assemblear e o direito individual, uma vez ultrapassado esse limite, a assembleia está sujeita à invalidação.
Tanto por força da Código Civil da Lei de Condomínios, a convenção é que determina a forma de convocação, quóruns e competência das assembleias, além de outros aspectos não definidos por lei. Isso significa dizer que a assembleia é subordinada à convenção também. Contudo, há uma assembleia que pode se equiparar à convenção: a que conta com 2/3 dos votos de todo o condomínio e item de pauta adequado para sua alteração. Na hipótese de a assembleia descumprir a convenção, também pode se sujeitar à invalidação.
Tendo em vista o que foi abordado, já é possível verificar que as decisões das assembleias não são soberanas e podem sim ser objeto de revisão judicial quando contrariarem norma de ordem pública, desrespeitar direito de algum condômino ou descumprir a convenção do condomínio.
A ilusão de que uma assembleia seria soberana é o prelúdio do fracasso da reunião, pois os presentes negligenciarão os cuidados jurídicos necessários que se evite uma posterior rediscussão e invalidação da assembleia em meio judicial.
Alguns problemas podem ficar evidentes ainda durante a assembleia mas podem ser ignorados pela ausência de assessoria especializada, mas a maioria dos problemas surgem depois, uma vez que os que se sentem prejudicados podem mover ações judiciais no período de 2 anos (artigo 179 do Código Civil), quando o ato é anulável.
Levando em conta o que foi exposto, pode-se concluir que a afirmação de que a assembleia ou suas decisões são soberanas está bem longe da realidade. De fato, a assertiva “a assembleia é soberana” é mais repetida como uma forma de tentar se silenciar uma discussão em reuniões, mas é uma frase equivocada que carrega grande imprecisão jurídica e gera riscos de impugnação judicial do ato.
A bem da verdade, melhor seria afirmar, genericamente, que “a lei é soberana” ou os condôminos são soberanos quanto aos seus direitos adquiridos ou, ainda, mesmo que de forma forçada, que “a convenção é soberana” do que afirmar que a decisão da assembleia é soberana, pois sua “soberania”.
Enfim, o adjetivo “soberana” tem sido utilizado de forma inadequada, distorcendo seu real significado quando aplicado à assembleia condominial. Se algo é soberano, pode-se dizer que é a “Lei”, mencionada de forma genérica.
Vivam a vida, e até a próxima.