A questão dos animais de estimação está adquirindo contornos shakespearianos, com todo respeito aos que, como eu, adoram animais de estimação e também aos que acham que as leis e normas devem ser cumpridas à risca, com o qual eu também concordo.
Eu costumo brincar que, para administrar um condomínio, são necessárias três coisas: bom senso, bom senso e bom senso, e as vezes as pessoas simplesmente não se preocupam com essa regrinha básica. Vamos aos fatos.
Num determinado condomínio que tem unidades residenciais para moradia, unidades residenciais na modalidade de flat e unidades comerciais, uma moradora está sendo comunicada para se livrar de seu hamster porque a convenção é categórica em afirmar que é proibida a permanência de qualquer animal de estimação.
Vamos ver pelo lado do coitado do hamster: acredito que ninguém vai deixar de concordar que um hamster é um animal de estimação, não importa o tamanho.
Ninguém vai deixar de concordar que a nenhum morador de um condomínio, seja ele proprietário ou inquilino, é permitido o direito de se eximir de cumprir as regras por desconhecimento do que determina a convenção condominial. Portanto, por essas premissas, rua para hamster.
Agora, vamos ver pelo lado do síndico: o Código Civil é bem claro que o síndico é obrigado a cumprir fielmente o que determina a lei, a convenção condominial, o regulamento interno e as determinações da assembleia. Se a convenção determina que é proibida a permanência de animais de estimação, não há o que se possa fazer, então a situação do hamster se complicou ainda mais…..
Mas não fica a sensação de que há algo de errado nisso, por mais certo que esteja?
E se fosse um peixe? Como?!?! Sim, um peixe desses que ficam confinados em aquários. A convenção não fala que sejam animais de estimação terrestres, aquáticos ou que voem, então, rua para o peixe também. Simples assim.
No meu entender, por outro lado, o triste proprietário do hamster está certo em não concordar em se livrar do hamster e o síndico está certo em querer desapropriar o hamster.
Nesse caso, vamos aplicar a regra do bom senso?
Um caso verídico que aconteceu comigo foi de um proprietário que solicitou que fosse autorizada a instalação de um aparelho de ar condicionado para que sua mãe, de mais de 90 anos, sofrendo de grandes dificuldades respiratórias, tivesse algum conforto, tudo ricamente embasado em atestados médicos.
Sentados os três, eu, o síndico e o proprietário, é claro que eu recomendei ao síndico que ele não poderia permitir, por mais que fosse por motivos humanitários, e por mais que ele concordasse com o pedido, tendo em vista o fato de que haveria uma significativa alteração de fachada, expressamente proibida pela Lei e pela convenção, o que poderia lhe trazer enormes problemas.
Feito isso, recomendei ao proprietário que entrasse com uma ação na justiça, solicitando que lhe fosse concedido o direito de instalar o equipamento de ar condicionado, lhe garantindo que, em sua defesa, o síndico alegaria que, embora concordasse, o único motivo da proibição era o veto na convenção, e que, se fosse autorizado pelo juiz, a única exigência do condomínio seria o acompanhamento por um engenheiro eletricista da adequação da instalação elétrica da unidade, no sentido de se evitar o risco de dano ao condomínio e a seus moradores.
Claro que o juiz autorizou a instalação.
Dessa forma, foi possível dar conforto à senhora, o síndico não infringiu qualquer regra e evitou que, daí por diante, qualquer um instalasse equipamentos de ar condicionado, o que era e continuou sendo proibido.
Voltando ao caso do infeliz hamster, eu recomendaria dois caminhos ao síndico: se não houvesse nenhum morador reclamando, e ele estivesse apenas cumprindo o que determina a convenção, que fizesse vistas grossas e deixasse o hamster, e seu proprietário, em paz, até porque, em média, um hamster vive somente três anos (sim, eu pesquisei), ou entrasse na justiça solicitando uma ordem judicial para que o hamster fosse despejado, informando-o que, provavelmente, o condomínio iria perder a ação.
Ao proprietário eu recomendaria que ele jamais saísse com seu hamster para fora da unidade e que, no dia que o hamster morresse, pois todo hamster morre um dia, e ele não conseguisse viver sem um animal de estimação, que comprasse um peixe.
Vivam a vida, e até a próxima.