Vamos tentar aumentar nosso conhecimento sobre a LGPD nos condomínios. É muito fácil vocês verem a data que este artigo foi publicado, portanto, saibam: no momento tenho estudado muito, conversado muito, visto inúmeras palestras e vídeos e nada, até agora, me convenceu sobre o fato dessa lei ser necessária ou se vai “pegar” nos condomínios. Vamos ver.
Neste artigo vou falar de uma questão que vi em duas entrevistas, que falavam quase a mesma coisa.
O foco é sobre o bom cumprimento dos mandados e diligências em geral a serem executados em relação a pessoas residentes ou bens situados em condomínios residenciais.
A questão está na dificuldade no cumprimento de mandados cujos endereços se referem a condomínios residenciais que reside no fato dos porteiros, chefes de portaria e administradores das empresas de segurança se recusado a prestar informações sobre o fato de a pessoa mencionada no mandado residir ali ou não, sob o fundamento de estarem obrigados ao sigilo imposto pela Lei 13.709/18 – Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD.
Não é difícil de se imaginar que tais informações são essenciais para o cumprimento das determinações.
Numa entrevista que assisti, um juiz corregedor explicou que as atividades exercidas por agentes da justiça, no caso de mandados judiciais, cartas precatórias, cartas de ordem, cartas rogatórias e outras formas de determinação judicial, bem como a ação da polícia dirigida, na qualidade de agentes públicos ao prestarem auxílio ao juízo ou à sociedade, e por expressarem a atuação jurisdicional por meio da execução concreta dessas atividades
Em suas justificativas, reforçaram-se as atribuições de auxílio direto do juízo ao desempenhar o seu ofício respaldado no artigo 154 do Código de Processo Civil, especificamente no caso de agentes da justiça, extraindo-se da situação noticiada quatro questionamentos essenciais, sendo os três primeiros implícitos e o último expresso.
Art. 154. Incumbe ao oficial de justiça:
I – fazer pessoalmente citações, prisões, penhoras, arrestos e demais diligências próprias do seu ofício, sempre que possível na presença de 2 (duas) testemunhas, certificando no mandado o ocorrido, com menção ao lugar, ao dia e à hora;
II – executar as ordens do juiz a que estiver subordinado;
III – entregar o mandado em cartório após seu cumprimento;
IV – auxiliar o juiz na manutenção da ordem;
V – efetuar avaliações, quando for o caso;
VI – certificar, em mandado, proposta de autocomposição apresentada por qualquer das partes, na ocasião de realização de ato de comunicação que lhe couber.
Parágrafo único. Certificada a proposta de autocomposição prevista no inciso VI, o juiz ordenará a intimação da parte contrária para manifestar-se, no prazo de 5 (cinco) dias, sem prejuízo do andamento regular do processo, entendendo-se o silêncio como recusa.
As respostas aos questionamentos emitidas pelo juiz corregedor elucidaram a atuação do agentes em questão, ou seja, os serventuários da justiça e as forças policiais.
A organização residencial ou comercial em condomínios serve, entre outros objetivos, para atuar no atendimento de interesses comuns legítimos de seus residentes, bem assim na garantia da segurança e da privacidade dessas pessoas e do patrimônio particular contra a ação de particulares, e não contra a atuação oficial do Poder Público.
As estruturas de segurança dos condomínios e dos loteamentos evidentemente não podem servir de anteparo, de proteção, à eficiente atuação oficial do poder estatal. Esses espaços territoriais não estão, portanto, alheios à atuação oficial do Estado, representada por suas atividades jurisdicional, legislativa e executiva (executiva stricto sensu, de polícia ou regulatória).
Assim, sobre não serem figuras constituídas e em funcionamento à margem do regramento e atuação oficial do Estado, os condomínios e loteamentos se sujeitam à atividade institucional dos entes e das entidades da Administração Pública, sem nenhuma distinção aos demais espaços territoriais em geral, independentemente de qualquer concordância ou de condicionamentos de acesso impostos pelos particulares que ali residem (condômino ou morador), ou pelos particulares que ali exercem atividade profissional (porteiro, chefe de segurança, administradores, síndico, etc.)
O dispositivo da convenção condominial que de qualquer forma preveja condicionalmente a esse pronto acesso do oficial de justiça ou policial é nulo de pleno direito, pois se trata de inconstitucionalidade, por relativizar a característica da imperatividade da jurisdição.
Nesse contexto, alude ainda o juiz corregedor que tais impedimentos ou embaraços à ordem judicial sob cumprimento pelo oficial de justiça pelos representantes mencionados implicarão no crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), além da responsabilidade civil do próprio condomínio ou loteamento pelos eventuais prejuízos causados pela atuação do preposto diante do imediato cumprimento da ordem judicial e pela eventual frustração da diligência.
O estrito cumprimento do dever legal do oficial de justiça e o dever-poder de pronto acesso aos condomínios e loteamentos edilícios não o eximem de se anunciar ao agente de segurança da portaria mediante a apresentação de sua carteira de identificação funcional, a fim de permitir a aferição de sua identificação e o registro dos horários de entrada e saída no condomínio.
Os funcionários do condomínio que se apresentam como representantes, prepostos ou responsáveis pelo controle de acesso aos condomínios e loteamentos, apresentam-se como terceiros estranhos ao processo judicial objeto da diligência do oficial de justiça.
Muito diferente, excluem-se dessa figura, em seu conceito estrito, aquelas pessoas que atuam em nome da própria pessoa jurídica objeto da diligência do oficial de justiça, nos termos do disposto no parágrafo 2º do artigo 248 do Código de Processo Civil.
Portanto, nos condomínios ou nos loteamentos com controle de acesso, será válida a entrega do mandado a funcionário da portaria responsável pelo recebimento de correspondência, que, entretanto, poderá recusar o recebimento, se declarar, por escrito, sob as penas da lei, que o destinatário da correspondência está ausente.
Por essas razões, quem tem o dever jurídico de receber ordens judiciais em nome do condômino, tem também o dever de auxiliar o oficial de justiça e a polícia a cumprir diretamente a ordem em face do mesmo condômino, de modo que tal dever de colaboração de terceiros no processo judicial é tema recorrente e pacífico, expressado sobretudo pela atuação processual das testemunhas, jurados, possuidores de documentos relevantes ao processo ou diligência.
Por fim, ficou claro que qualquer agente do Estado não pode ter o acesso indiscriminado ao banco de dados sob a custódia da administração e por essa submetida a tratamento, ficando adstrito ao acesso de informações essenciais à eficácia do cumprimento da ordem, e à própria eficácia da atuação jurisdicional, mas isso já ocorria antes da promulgação da LGPD.
Acredito que, muito lentamente, as dúvidas acerca da aplicação, ou não, da LGPD nos condomínios vão se equacionando.
Vivam a vida e até a próxima.