Condômino Antissocial – Parte 2

Os conflitos de vizinhança crescem a cada dia, e as penalidades legais impostas aos condôminos antissociais nem sempre cessam os conflitos, fazendo necessária a intervenção judicial. Com isso, surgiu a discussão acerca da possibilidade de exclusão do condômino reiteradamente antissocial e a jurisprudência é divergente quanto ao tema.

Assim, há duas correntes quanto ao problema, a primeira, em suma, abrangendo uma visão principiológica, entendendo pela impossibilidade de excluir o condômino reiteradamente antissocial, alegando a prevalência do direito de propriedade e do princípio da dignidade da pessoa humana.

Já a segunda corrente, entende de forma sucinta, pela possibilidade de exclusão do condômino antissocial, em respeito do princípio da função social da propriedade, no qual o direito do coletivo se sobrepõe ao direito individual.

Estamos falando do Direito de Vizinhança, que está acima do Direito Condominial, e ele está espelhado no no artigo 1.277 do Código Civil.

Art. 1.277. O proprietário ou o possuidor de um prédio tem o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Parágrafo único. Proíbem-se as interferências considerando-se a natureza da utilização, a localização do prédio, atendidas as normas que distribuem as edificações em zonas, e os limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança.

Cumpre ressaltar que, no tocante a aplicação de multa ao condomínio antissocial, bem como majorá-la nos termos dos artigos 1.336, parágrafo 2º e 1.337 do Código Civil não há divergência, sendo pacifico o entendimento da sua possibilidade.

Art. 1.336. São deveres do condômino:

I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;

II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;

III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;

IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

§ 1º – O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito.

§ 2º – O condômino, que não cumprir qualquer dos deveres estabelecidos nos incisos II a IV, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem; não havendo disposição expressa, caberá à assembleia geral, por dois terços no mínimo dos condôminos restantes, deliberar sobre a cobrança da multa.

Art. 1.337. O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.

Parágrafo único. O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.

Assim, a discussão se estende quanto a exclusão do condômino reiteradamente antissocial, que para a primeira corrente é impossível, vez que o nosso ordenamento jurídico não prevê como penalidade ao condômino reiteradamente antissocial a sua exclusão. Isso porque, conforme já mencionado, o artigo 1.337 do Código Civil apenas majora a multa ao condômino reiteradamente antissocial, não prevendo qualquer penalidade que leve a sua exclusão.

Cumpre ressaltar que para essa corrente, não há lacuna legislativa, vez que o artigo mencionado regula a sanção aplicada ao condômino antissocial, qual seja a penalidade pecuniária, e entendimento contrário a este, estaria ferindo o princípio da legalidade.

O princípio da legalidade, está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, justificando o entendimento da impossibilidade de exclusão do condômino antissocial, diante do Código Civil não prever uma penalidade para tanto.

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

…………….

II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

…………….

Para essa corrente, portanto, a sanção pecuniária prevista pela legislação civil, é suficiente para penalizar o condômino antissocial, bem como não possibilidade de se ir além.

Alguns tribunais entendem pela impossibilidade de exclusão do condômino antissocial, diante da ausência de previsão legal para tanto, tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico prevê tão somente a aplicação de sanções pecuniárias.

A imposição da multa levaria em conta dois fatores: a persistência e a gravidade da conduta ilícita do condômino. O texto da lei determina que cabe a assembleia definir e aplicar a multa ao condômino infrator reincidente, não fazendo menção acerca de qualquer outro procedimento. Contudo, com base nos princípios que norteiam o direito, a imposição de multa deve ser precedida de possibilidade de defesa pelo condômino infrator.

Discordando do entendimento, alguma doutrina, já se manifesta quanto a possibilidade de exclusão do condômino reiteradamente antissocial, enquanto os julgados favoráveis a exclusão, são minoritários. Para essa corrente há diversos argumentos acerca da possibilidade de excluir o condômino antissocial que age de maneira reiterada, como o princípio da função social da propriedade e a prevalência do direito coletivo sobre o direito individual.

A discussão acerca da possibilidade de exclusão do condômino reiteradamente antissocial pode-se dizer que surgiu após a seguinte pergunta: E se as sanções pecuniárias não cessarem os conflitos condominiais?

Isso porque, conforme mencionado, o comportamento antissocial é aquele que viola os direitos fundamentais dos demais condôminos, diante da sensação de insegurança que causa aos moradores das unidades condominiais vizinhas.

Com a sensação de pânico que o condômino antissocial causa aos demais moradores, e após a ineficácia das multas aplicadas, qual a medida deve ser tomada para cessar o conflito condominial, uma vez que o direito individual do condômino antissocial não deve prevalecer em face dos outros condôminos?

Daí as divergências jurisprudenciais e doutrinárias cresceram, vez que há uma corrente, defendendo que se o condômino continuar de maneira reiterada com as condutas intituladas como antissocial, após ser penalizado com a sanção pecuniária prevista no artigo 1.337 do Código Civil, deve ser excluído da sua unidade condominial.

O principal argumento dessa corrente, a fim de justificar o seu entendimento, é o princípio da função social da propriedade, vez que limita o direito de propriedade, devendo o proprietário respeitar a finalidade econômica e social do seu bem.

Além disso, o fato condômino ser excluído da sua unidade condominial, não significa a perda da sua propriedade, perde-se apenas a posse direta do bem, podendo exercer os demais direitos inerentes a propriedades, como aluga-la ou vende-la, por exemplo.

Portanto, caso seja decidido pela exclusão do condômino antissocial, este continua com o seu patrimônio, podendo ainda dispor do imóvel, perdendo, entretanto, o direito de convivência naquele condomínio.

Acho que está longe o dia que haverá um consenso acerca dessa questão. Resta ao síndico, e nesse casos a todos que estão sendo vítimas dessa situação, seja qual for a iniciativa, embasar-se ao máximo antes de qualquer medida legal.

Lembro ainda o Enunciado 92 da CEJ:

Enunciado 92 da Comissão de Estudos Judiciários

92 – As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo.

Isso só confirma a tese de que, tentados todos os meios para uma solução não judicial, há que se pensar em uma maneira de resolver a questão.

Vivam a vida, e até a próxima.

Ivan Horcaio

Professor e palestrante com mais de 20 anos de atuação nas áreas do Direito Condominial e Direito Imobiliário, é autor de mais de 12 obras jurídicas, atuando junto a condomínios, administradoras de condomínios e imobiliárias